Título: O Sofisma Pragmático no Contexto Evangélico Contemporâneo: Uma Análise Teológica e Pastoral
Por. Pr Kleiton Fonseca
Resumo:
Este artigo
propõe uma análise crítica do sofisma pragmático presente em setores do
evangelicalismo contemporâneo. A partir da definição etimológica e filosófica
do termo "sofisma", observa-se como este recurso retórico tem sido
usado em ambientes religiosos para justificar práticas que carecem de
fundamento bíblico. Serão discutidos os perigos dessa abordagem, seus impactos
na teologia eclesial e pastoral, bem como alertas bíblicos e posicionamentos de
teólogos sobre o tema. O objetivo é contribuir para um discernimento mais
robusto e reformado da fé cristã diante das distorções modernas.
1. O Que é um Sofisma?
O termo sofisma deriva do grego antigo σοφίσμα (sophisma), que significa "habilidade, artifício ou argumento enganoso". Está ligado à palavra sophos (σοφός), que significa "sábio". Originalmente, o termo não possuía conotação negativa; era associado à retórica e à argumentação filosófica. No entanto, com o tempo, passou a designar um raciocínio que, embora aparente ser lógico, visa deliberadamente enganar ou confundir o ouvinte.
Na filosofia clássica, especialmente na tradição socrática, sofistas eram conhecidos por sua habilidade em argumentar de forma persuasiva, independentemente da verdade. Platão criticou fortemente os sofistas, acusando-os de usar a linguagem para manipular e não para buscar a verdade. Assim, um sofisma é um argumento que possui aparência de validade lógica, mas que, ao ser analisado com mais profundidade, revela-se falso ou malicioso.
2. Os Perigos do Sofisma: Quando o Engano se Veste de Verdade
O sofisma, por ser persuasivo, pode ser extremamente perigoso, especialmente em contextos religiosos. Ao utilizar uma aparência de piedade ou lógica espiritual, ele leva muitos ao erro doutrinário ou à prática contrária ao evangelho. Um exemplo comum é o argumento pragmático: “Se deu certo, é porque Deus está aprovando”. Este raciocínio, por mais comum que seja, é um típico sofisma.
Exemplo prático: Uma igreja cresce exponencialmente em número e visibilidade após adotar práticas sensacionalistas e um evangelho centrado na prosperidade. Seus líderes então afirmam: “A prova de que estamos certos é o sucesso que Deus nos deu.” Este argumento ignora o ensino bíblico sobre discernimento (1Jo 4.1) e a advertência contra falsos profetas que vêm “em nome do Senhor” (Mt 7.22-23), mas não são conhecidos por Cristo.
Outro exemplo: alguém afirma que, por ter recebido uma "revelação", pode contrariar o ensino bíblico porque “o Espírito falou diferente comigo”. Tal raciocínio se torna um sofisma espiritual quando desconsidera a suficiência das Escrituras (2Tm 3.16-17) e o princípio da revelação objetiva e finalizada em Cristo (Hb 1.1-2).
3. O Sofisma Pragmático no Contexto Cristão
O sofisma pragmático se refere à ideia de que a eficácia prática de algo é suficiente para justificar sua verdade ou legitimidade. Trata-se de um desvio da teologia bíblica para uma lógica utilitarista. Quando a igreja adota esse paradigma, passa a medir a vontade de Deus pelos resultados visíveis e não pela fidelidade à Palavra.
Esse pensamento tem produzido uma série de distorções no evangelicalismo moderno. Teólogos como David Wells e John MacArthur já denunciaram o perigo da "cultura da relevância", em que a igreja tenta adaptar a mensagem ao gosto do público, utilizando meios seculares para fins espirituais. Em Deus no Banco dos Réus, C.S. Lewis alerta contra um cristianismo que se torna produto de consumo, moldado pelas exigências do mercado e não pela verdade revelada.
Conforme adverte Francis Schaeffer, “não basta que algo funcione; é preciso que seja verdadeiro segundo os padrões de Deus”. Quando a eficácia se torna o critério de validade espiritual, abre-se espaço para o sincretismo, o misticismo subjetivo e práticas estranhas às Escrituras.
4. Impactos do Sofisma na Igreja Contemporânea
As igrejas impactadas pelo sofisma pragmático frequentemente adotam slogans como “menos teologia, mais ação” ou “o importante é ganhar almas, não discutir doutrina”. Embora evangelismo e ação social sejam essenciais, a negligência da doutrina leva à formação de crentes frágeis, suscetíveis a ventos de doutrina (Ef 4.14) e a um evangelho adulterado.
A ausência de discernimento espiritual é um dos frutos mais amargos dessa abordagem. Quando a fé se torna uma experiência utilitária, a cruz é esvaziada de seu escândalo (1Co 1.23), e o evangelho é reduzido a um meio para alcançar sucesso pessoal. O resultado é um tipo de cristianismo antropocêntrico, onde Deus existe para servir ao homem.
5. Advertências Bíblicas Contra o Sofisma
A Bíblia está repleta de advertências contra doutrinas enganosas e argumentos persuasivos que distorcem a verdade:
- Colossenses 2.4: “Digo isto para que ninguém vos engane com palavras persuasivas.”
- 2 Pedro 2.1-3: “Haverá entre vós falsos mestres, que introduzirão encobertamente heresias destruidoras...”
- 2 Coríntios 11.14-15: “O próprio Satanás se transforma em anjo de luz...”
- Gálatas 1.6-9: Paulo alerta contra outro evangelho, mesmo que seja pregado por anjos.
Esses textos revelam a gravidade dos sofismas espirituais: eles não são apenas argumentos falhos, mas instrumentos de engano satânico e apostasia.
6. Superando o Sofisma Pragmático: Direções Pastorais e Teológicas
Para que a igreja contemporânea possa resistir ao avanço do sofisma pragmático, é necessário um retorno consciente e comprometido às Escrituras como fundamento da vida e prática cristã. O desafio pastoral é duplo: formar crentes bíblicos e ensinar uma teologia centrada em Deus e não no homem.
6.1. A centralidade das Escrituras
A suficiência das Escrituras deve ser ensinada como verdade fundamental da fé reformada. Como afirma Wayne Grudem:
“A Bíblia
contém todas as palavras de Deus de que precisamos para a salvação, para
confiar nele perfeitamente e para obedecê-lo plenamente.”
(Teologia Sistemática, p. 72)
Toda doutrina, prática ou revelação espiritual deve ser submetida ao crivo das Escrituras. Pastores devem ser, como os bereanos, criteriosos e comprometidos com a verdade (At 17.11).
6.2. A formação doutrinária da igreja
A doutrina não pode ser tratada como obstáculo à vida cristã prática, mas como alicerce dela. Michael Horton, em Cristianismo sem Cristo, denuncia a substituição da teologia pelo marketing religioso:
“As
igrejas estão cada vez mais ocupadas em oferecer experiências e produtos, em
vez de proclamar a Palavra de Deus com fidelidade.”
(Cristianismo Sem Cristo, p. 44)
Formar crentes teologicamente maduros é um antídoto contra os argumentos sedutores do pragmatismo. O ensino bíblico sólido cria resiliência espiritual e prepara a igreja para distinguir o verdadeiro do falso (Hb 5.14).
6.3. A fidelidade acima dos resultados
Uma igreja fiel não deve medir seu sucesso por números, mas pela obediência a Cristo. Como escreve Eugene Peterson:
“A tarefa
da igreja não é ser bem-sucedida, mas ser fiel.”
(O Pastor Contemplativo, p. 89)
A teologia da cruz (cf. 1Co 1.18) nos ensina que o evangelho nem sempre será popular, nem sempre produzirá resultados visíveis, mas sempre glorificará a Deus quando for pregado com fidelidade.
7. Conclusão
O sofisma pragmático é uma das formas mais sutis e perigosas de distorção da verdade no evangelicalismo moderno. Apresentando-se como piedade prática, mascara um coração afastado da centralidade bíblica. Ao substituir a verdade pelo resultado, e a fidelidade pela eficiência, este pensamento fragiliza a igreja, obscurece o evangelho e coloca o homem no centro da fé.
A resposta reformada a esse desafio é clara: Sola Scriptura, Soli Deo Gloria. É preciso restaurar a pregação expositiva, o discipulado fundamentado na doutrina e a vida comunitária centrada em Cristo e na cruz. Assim, a igreja será novamente sal e luz neste mundo, não por seus métodos, mas por sua fidelidade à verdade revelada.
Referências Bibliográficas (ABNT)
A seguir, apresento as referências utilizadas até aqui, de acordo com as normas da ABNT:
· GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.
· HORTON, Michael. Cristianismo Sem Cristo: O Evangelho Alternativo da Igreja Centrada no Homem. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
· KELLER, Timothy. Igreja Centrada: Fazendo o Ministério com Equilíbrio entre Fé, Cultura e Comunidade. São Paulo: Vida Nova, 2011.
· LEWIS, C.S. Deus no Banco dos Réus. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
· MACARTHUR, John. A Verdade em Foco. São Paulo: Fiel, 2007.
· PETERSON, Eugene. O Pastor Contemplativo: Recuperando a Espiritualidade na Vocação Pastoral. São Paulo: Mundo Cristão, 2006.
· SCHAEFFER, Francis A. A Morte da Razão. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
· Bíblia Sagrada. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
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