quinta-feira, 29 de maio de 2025

 
 NÃO ENXERGO MAIS PUREZA
DOUTRINÁRIA NA MINHA IGREJA:
SEPARAÇÃO OU DIVISÃO?


RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma distinção bíblica,
teológica e histórica entre os conceitos de “separação” e “divisão” no
contexto da igreja cristã. Ao analisar casos em que a pureza doutrinária é
comprometida, o estudo busca compreender quando a separação se torna
uma necessidade legítima e quando a divisão representa um rompimento
carnal e reprovável. A partir de fundamentos bíblicos e de teólogos
reformados, o texto também discute os efeitos desses dois caminhos na
vida da igreja e apresenta exemplos práticos de movimentos religiosos,
como o neopentecostalismo. Conclui-se que, embora a unidade da igreja
seja um valor cristão, a fidelidade à sã doutrina pode requerer a
separação como expressão de obediência a Deus.


Palavras-chave: separação; divisão; pureza doutrinária; igreja; teologia
reformada.


1. INTRODUÇÃO
A busca pela fidelidade à Palavra de Deus sempre foi um marco da
igreja verdadeira ao longo da história. No entanto, ao se deparar com
desvios doutrinários ou práticas antibíblicas em uma comunidade local,
muitos cristãos se veem diante de um dilema: permanecer, dividir ou
separar-se? Este artigo propõe uma análise bíblica e teológica sobre os
conceitos de separação e divisão, diferenciando-os tanto em termos de
conteúdo quanto de propósito, a fim de oferecer orientação para aqueles
que não enxergam mais pureza doutrinária em sua igreja.


2. DEFINIÇÕES CONCEITUAIS: SEPARAÇÃO E
DIVISÃO
Do ponto de vista linguístico, “divisão” implica a cisão de um corpo em
duas partes que continuam dentro da mesma estrutura, mas sob
lideranças ou visões diferentes. Já a “separação” indica um afastamento
total de um sistema ou movimento por razões éticas, doutrinárias ou
espirituais.
Biblicamente, a divisão (gr. διχοστασία – dichostasia) está
frequentemente associada ao pecado da carnalidade:
“Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e
divisões, não sois porventura carnais?” (1Co 3.3).
Por outro lado, a separação é apresentada como uma atitude de zelo e
fidelidade à verdade:
“Sai do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada
impuro...” (2Co 6.17).


3. FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA: A SEPARAÇÃO
COMO ATO DE FIDELIDADE
Em diversas ocasiões, a Bíblia mostra que o povo de Deus foi chamado
a se separar da impureza e da idolatria, tanto moral quanto doutrinária.
No Antigo Testamento, os fiéis eram convocados a se afastar de práticas
pagãs (Êx 34.15; Sl 1.1). No Novo Testamento, os apóstolos orientam os
crentes a se afastarem daqueles que corrompem a doutrina:
“Retirai-vos dela, povo meu, para que não sejais cúmplices dos seus
pecados...” (Ap 18.4).
A separação não é, portanto, rebeldia, mas obediência. Ela não visa
dividir o corpo, mas preservar a integridade do evangelho.


4. A VISÃO TEOLÓGICA REFORMADA
Os teólogos reformados abordam a separação com responsabilidade.
João Calvino, por exemplo, embora prezasse pela unidade da igreja,
também afirmava que a comunhão com uma igreja corrompida poderia
ser nociva à alma:
“A verdadeira unidade da Igreja consiste na verdade da doutrina e no
vínculo da fé; onde essa verdade é corrompida, não há unidade
legítima.”
(CALVINO, Institutas, IV.1.12)
Os puritanos ingleses, ao se separarem da Igreja Anglicana, não
buscavam criar facções, mas preservar a fé reformada diante de práticas
ritualísticas consideradas antibíblicas.
A Confissão de Fé de Westminster também afirma que uma igreja pode
degenerar a tal ponto que deixe de ser uma igreja verdadeira (CFW,
XXV.5). Nesse caso, a separação é entendida como necessária.


5. DIVISÃO COMO RACHADURA CARNAL:
EXEMPLOS PRÁTICOS
A história recente do evangelicalismo brasileiro é marcada por múltiplas
divisões motivadas não por zelo doutrinário, mas por disputas de poder.
É comum vermos líderes saindo de denominações e criando novas
igrejas que, na essência, permanecem com os mesmos desvios
doutrinários. Esse padrão é comum no meio neopentecostal, onde
rupturas criam novos ministérios apenas com nova liderança, mas sem
reforma de conteúdo teológico.
Essas divisões produzem o que podemos chamar de “clonagem
eclesiástica”: igrejas que se multiplicam sem se reformar.


6. SEPARAÇÕES LEGÍTIMAS: A REFORMA E OS
MOVIMENTOS DE VOLTA À PALAVRA
Diferente das divisões citadas, há separações legítimas que marcaram a
história da igreja, como a Reforma Protestante do século XVI. Lutero e
outros reformadores não tinham inicialmente a intenção de romper com
a Igreja Católica, mas de corrigi-la à luz da Escritura. Quando se tornou
impossível permanecer sem comprometer a fé, a separação se tornou
inevitável.
Outros movimentos, como os anabatistas, também se afastaram da
cristandade institucional para buscar uma vida de fé mais próxima da
Escritura.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A unidade da igreja é um bem precioso, mas nunca deve ser preservada
à custa da verdade. Quando a pureza doutrinária está comprometida de
forma grave e irrecuperável, a separação é um ato bíblico, teológico e
histórico. A divisão, por sua vez, quando motivada por carnalidade,
orgulho ou desejo de poder, é reprovável.
É necessário discernimento espiritual, conselho pastoral e oração para
que a decisão de separar-se não seja leviana, mas feita em temor e
fidelidade a Cristo e à sua Palavra.


REFERÊNCIAS
 BÍBLIA. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil,
1993.
 CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura
Cristã, 2006.
 CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo: Editora Os
Puritanos, 1996.
 LLOYD-JONES, Martyn. A Unidade Cristã. São Paulo: PES, 2003.
 SILVA, Franklin Ferreira. Teologia Sistemática: Uma Análise
Histórico-Bíblica da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2014.


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