Por Pr.Kleiton Fonseca
Em
muitos contextos cristãos contemporâneos, especialmente nas igrejas de
tradição neo
pentecostal, é comum ouvirmos falar que um determinado líder
foi "ungido pastor", como se a unção com óleo fosse o meio legítimo e
espiritual de instituir alguém no ministério pastoral. Mas será que essa
prática possui respaldo bíblico? O que é a unção, segundo as
Escrituras? E como a Igreja historicamente ordenou seus pastores? Este
texto tem o objetivo de apresentar uma resposta bíblica, histórica e
teológica a essa importante questão.
1. O que significava a unção com óleo no Antigo Testamento?
No
Antigo Testamento, a unção com óleo era um ato simbólico, instituído
por Deus, que tinha como objetivo separar e consagrar alguém ou algo
para o serviço sagrado. A unção não era feita em qualquer pessoa, mas em
figuras específicas dentro da aliança de Deus com Israel:
Sacerdotes: Êxodo 28.41 – Arão e seus filhos foram ungidos para o sacerdócio.
Reis: 1 Samuel 10.1; 16.13 – Saul e depois Davi foram ungidos como reis de Israel.
Profetas (ocasionalmente): 1 Reis 19.16 – Eliseu foi ungido como profeta em lugar de Elias.
O
óleo da unção era um composto sagrado (Êxodo 30.22-33), feito conforme
uma receita divina. Ele simbolizava a consagração, a separação para o
serviço de Deus, e apontava para o derramar do Espírito Santo sobre a
pessoa escolhida. Porém, a unção não era algo místico ou mágico, mas um
sinal visível de uma realidade espiritual e teocrática, ligada à aliança
de Deus com Israel.
Importante
observar que, no Antigo Testamento, pastores não eram ungidos com óleo,
pois o ofício de pastor, como o conhecemos no Novo Testamento, ainda não
existia da mesma forma.
2. A unção no Novo Testamento: continuidade ou ruptura?
Com
a vinda de Cristo, o verdadeiro Ungido (Messias significa literalmente
"Ungido"), todas as unções do Antigo Testamento apontavam para Ele
(Lucas 4.18; Atos 10.38). Ele é o Rei, Profeta e Sacerdote perfeito.
No
Novo Testamento, não há nenhuma instrução ou exemplo de alguém sendo
ungido com óleo para o ministério pastoral. Os apóstolos não ungiam com
óleo para ordenar pastores ou presbíteros. Em vez disso, o que
encontramos são imposição de mãos e oração como forma de reconhecimento e
separação ao ministério (Atos 6.6; 13.3; 1 Timóteo 4.14; 5.22; 2
Timóteo 1.6).
A unção com óleo, no Novo Testamento, aparece em dois contextos principais:
Cura dos enfermos (Tiago 5.14);
Hospitalidade ou consolo, em contextos não litúrgicos (Lucas 7.46).
Portanto, no contexto do Novo Testamento, a unção com óleo não está associada à ordenação de líderes eclesiásticos.
3. Como surgiu o costume de “ungir pastores” com óleo na história da igreja?
O
uso de óleo em cerimônias eclesiásticas continuou ao longo da história
da igreja, especialmente no catolicismo romano e na ortodoxia oriental,
mas com significados litúrgicos e sacramentais distintos. Entretanto, o
costume de ungir com óleo no momento da ordenação pastoral não era uma
prática apostólica, mas sim uma tradição litúrgica desenvolvida séculos
depois.
A prática de ungir com
óleo durante a ordenação foi adotada em algumas tradições como símbolo
da presença do Espírito Santo, mas nunca foi considerada essencial ou
mandatória. Os reformadores protestantes, por sua vez, rejeitaram tais
elementos cerimoniais que não possuíam fundamento claro nas Escrituras,
retornando à simplicidade bíblica da oração com imposição de mãos.
4. A ordenação pastoral ao longo da história da Igreja
Desde
os tempos apostólicos, a ordenação pastoral foi entendida como o
reconhecimento público da vocação e aptidão de alguém para o ministério
da Palavra. Este reconhecimento era feito pela imposição de mãos dos
presbíteros, acompanhada de oração, conforme as epístolas pastorais.
Calvino,
em sua obra As Institutas da Religião Cristã, reforça que o ofício
pastoral deve ser chamado por Deus, aprovado pela igreja e confirmado
pela liderança eclesiástica. Não há necessidade de óleo, pois o foco
está no conteúdo da fé, no caráter do ministro e em sua fidelidade à
Palavra.
Na tradição reformada, a
ordenação é um ato público, comunitário e eclesiástico, e não uma
experiência individual e mística. Não é "sentir-se chamado", mas ser
reconhecido pela igreja e separado para o ministério por aqueles que já
estão no ministério.
5. Conclusão: precisamos de unção ou de ordenação?
Confundir
unção com óleo com ordenar um pastor é misturar categorias bíblicas
distintas. A unção do Antigo Testamento tinha uma função específica e
teológica dentro da antiga aliança. No Novo Testamento, o foco está na
ação soberana do Espírito Santo e na confirmação visível pela igreja,
por meio da imposição de mãos e oração.
A
Igreja de Cristo, portanto, não precisa de "rituais de unção pastoral",
mas de homens piedosos, chamados por Deus, capacitados pela Palavra,
reconhecidos pela igreja e ordenados conforme o padrão apostólico.
Como diz Paulo a Timóteo:
“Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério.”
(1 Timóteo 4.14)
"A unção era um símbolo; a ordenação é o reconhecimento do chamado."
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