Resumo
O presente artigo visa desconstruir um dos equívocos mais persistentes na teologia popular: a crença de que o diabo governa o inferno ou que ele seja seu criador. A partir de uma análise exegética de textos bíblicos centrais e de uma avaliação histórica e teológica, demonstramos que essa ideia é fruto da tradição literária, mitológica e iconográfica medieval, não da Revelação Escritural. Recorremos ainda a fontes reformadas clássicas para sustentar que o inferno é expressão da justiça divina e não um domínio satânico.
Palavras-chave: Inferno. Diabo. Escatologia. Teologia Reformada. Justiça divina.
1. Introdução
A teologia popular e a cultura ocidental, fortemente influenciada por tradições medievais e produções literárias, difundiram a imagem de um inferno onde Satanás reina como senhor absoluto. Essa concepção, embora amplamente divulgada em filmes, livros e peças de teatro, não encontra respaldo nas Escrituras. Neste artigo, buscamos oferecer uma análise bíblica e teológica reformada que corrige essa visão equivocada.
2. O Inferno segundo as Escrituras
2.1 Origem e propósito do inferno
A primeira menção clara do propósito do inferno está registrada nos Evangelhos. Jesus afirma:
"Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos" (Mt 25.41, ARA).
O texto é explícito: o inferno foi criado por Deus como instrumento de juízo, e seu propósito primário é punir o diabo e seus anjos, não para ser regido por eles. Portanto, o inferno é, desde sua origem, uma realidade subordinada à soberania divina, não satânica.
2.2 O destino final de Satanás
Apocalipse 20.10 afirma:
"O diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se encontram a besta e o falso profeta; e serão atormentados de dia e de noite, pelos séculos dos séculos" (Ap 20.10, ARA).
Essa passagem reforça que o diabo será punido no inferno, não seu governante. Ele será um condenado, como qualquer outra criatura rebelde, submetido à ira justa de Deus.
3. A falsa imagem de um "reino infernal satânico"
3.1 A influência da literatura medieval
A ideia de um diabo que governa o inferno encontra seu maior exemplo na obra A Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265–1321). Ali, o inferno é apresentado em círculos, e Lúcifer, embora retratado como preso e derrotado, está no centro do inferno como uma figura imponente. Dante escreveu com propósitos teológico-morais e simbólicos, mas sua descrição influenciou profundamente o imaginário cristão posterior.
Como observa Sproul:
“Grande parte da teologia popular deriva mais da tradição e da arte medieval do que da exegese bíblica fiel” (SPROUL, 1992, p. 123).
3.2 O teatro, o folclore e a arte
O teatro religioso da Idade Média popularizou o diabo como figura caricata e cômica, com tridente e chifres, que arrastava almas ao inferno. Essa representação teatral ajudou a fixar a imagem do "diabo governante do inferno", mas está distante da ortodoxia bíblica.
Como destaca Joel R. Beeke:
“A doutrina do inferno é temida, deturpada e ridicularizada. Poucos temas foram tão banalizados em nossa cultura quanto este. Porém, a Escritura nos oferece um retrato solene e reverente desse lugar, sempre subordinado à justiça e soberania de Deus” (BEEKE, 2006, p. 345).
4. A perspectiva reformada sobre o inferno e o diabo
A teologia reformada sustenta que Deus é soberano sobre todas as coisas, inclusive o inferno (cf. Sl 139.8 A Confissão de Fé de Westminster afirma:
“O Senhor Jesus, como Juiz designado por Deus, haverá de julgar o mundo com retidão e justiça. Os ímpios serão lançados no tormento eterno [...] juntamente com o diabo e seus anjos” (CFW, XXXIII.2).
5. Considerações finais
A análise bíblica e teológica refuta de forma clara o mito de que o diabo tem domínio sobre o inferno. Tal ideia provém de construções culturais, literárias e folclóricas, e não da Escritura Sagrada. À luz da revelação divina, o inferno é um lugar de juízo justo, criado por Deus, onde o próprio Satanás será punido eternamente. Recuperar essa verdade é fundamental para a teologia fiel e para o ensino da igreja.
Referências
BEEKE, Joel R.; JONES, Mark. Uma Teologia Puritana: Doutrina para vida. São José dos Campos: Fiel, 2020.
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo: Editora Os Puritanos, 1999.
EDWARDS, Jonathan. Pecadores nas mãos de um Deus irado. São Paulo: PES, 2003.
SPROUL, R. C. Santo, Santo, Santo: A santidade de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 1992.
ARA. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
A análise bíblica e teológica refuta de forma clara o mito de que o diabo tem domínio sobre o inferno. Tal ideia provém de construções culturais, literárias e folclóricas, e não da Escritura Sagrada. À luz da revelação divina, o inferno é um lugar de juízo justo, criado por Deus, onde o próprio Satanás será punido eternamente. Recuperar essa verdade é fundamental para a teologia fiel e para o ensino da igreja.
Referências
BEEKE, Joel R.; JONES, Mark. Uma Teologia Puritana: Doutrina para vida. São José dos Campos: Fiel, 2020.
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo: Editora Os Puritanos, 1999.
EDWARDS, Jonathan. Pecadores nas mãos de um Deus irado. São Paulo: PES, 2003.
SPROUL, R. C. Santo, Santo, Santo: A santidade de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 1992.
ARA. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
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