INSTITUTO DE TEOLOGIA REFORMADA JOHN WYCLIFFE
Curso de Teologia Sistemática
A PRESENÇA DO ESPÍRITO SANTO: ENTRE A DESCIDA HISTÓRICA E O ENCHIMENTO CONTÍNUO
Por Pr. Kleiton Fonseca
RESUMO
Este artigo investiga, à luz das Escrituras e da teologia reformada, a natureza da presença do Espírito Santo na vida do crente e da Igreja. Em contraste com práticas e linguagens comuns em contextos pentecostais e carismáticos — como “Deus desceu na casa” ou “o Espírito vai descer” —, propomos um retorno ao ensino bíblico: o Espírito foi derramado de forma definitiva no Pentecostes e permanece habitando nos crentes. O que se requer hoje não é uma nova descida, mas o enchimento contínuo para vida santa, comunhão, adoração e missão. O artigo dialoga com teólogos como John Owen, Herman Bavinck, Sinclair Ferguson, Wayne Grudem, Jonathan Edwards e D. A. Carson.
Palavras-chave: Espírito Santo; Enchimento; Pentecostes; Habitação; Teologia Reformada.
INTRODUÇÃO
A doutrina da habitação do Espírito Santo é essencial à fé cristã e ocupa papel central na teologia sistemática. No entanto, muitos discursos e práticas contemporâneas revelam uma compreensão equivocada da Sua presença, tratando-a como intermitente e dependente de eventos ou estados emocionais. Este artigo busca corrigir tal concepção, demonstrando que o Espírito já foi dado plenamente à Igreja e que a ênfase bíblica recai sobre o enchimento contínuo, não sobre uma repetida descida.
1. A DESCIDA DO ESPÍRITO: UM EVENTO REDENTIVO-HISTÓRICO
O Pentecostes, narrado em Atos 2, marca o cumprimento das promessas do Antigo Testamento (Jl 2.28-29) e do próprio Cristo (Jo 14.16-17; At 1.8), sendo a inauguração da era do Espírito. O apóstolo Pedro declara:
“Deus o exaltou com a sua destra, e lhe deu o Espírito Santo prometido, que agora derramou sobre vós” (At 2.33).
John Owen (1674) defende que “o Espírito que desceu naquele dia permanece na Igreja até o fim dos tempos”, enquanto Abraham Kuyper (2011) afirma que o Pentecostes não é apenas um começo, mas a entrega definitiva da herança prometida.
Herman Bavinck corrobora:
“A descida do Espírito Santo no Pentecostes é um evento único, relacionado ao cumprimento das promessas do Antigo Testamento, e não uma experiência que se repete ciclicamente” (2001, vol. IV, p. 445).
Sinclair Ferguson (1996) acrescenta que “Pentecostes não é um modelo de experiência pessoal, mas um evento salvífico histórico, tal como a cruz e a ressurreição”.
Assim, a teologia reformada reconhece a descida do Espírito como evento definitivo e escatológico, não devendo ser buscada novamente como se fosse uma experiência a se repetir.
2. A PRESENÇA PERMANENTE DO ESPÍRITO NOS CRENTES
Após o Pentecostes, o Espírito habita permanente e pessoalmente nos crentes:
“Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós” (Rm 8.9);
“Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16).
Wayne Grudem ensina que “a presença do Espírito é contínua no crente e não depende de experiências emocionais. Ele é o selo da salvação e a garantia da herança eterna” (2020, p. 643).
Negligenciar essa doutrina leva à confusão teológica e à instabilidade espiritual, como se a presença de Deus precisasse ser renovada por sensações extraordinárias.
3. O ENCHIMENTO CONTÍNUO DO ESPÍRITO
Embora o Espírito habite permanentemente, a Escritura ordena que os crentes sejam continuamente cheios:
“E não vos embriagueis com vinho... mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18).
O verbo grego plērousthe indica uma ação contínua, dependente e divina. O enchimento é a renovação do controle do Espírito sobre o crente, resultando em santidade, ousadia, adoração e serviço.
Sinclair Ferguson (1996) afirma que “o enchimento é a ação soberana de Deus por meio da qual o Espírito já presente renova, dirige e capacita o crente para viver conforme a vontade de Deus”.
John Stott (1979) completa:
“O enchimento do Espírito é um privilégio contínuo e uma necessidade constante. É algo que o cristão deve buscar diariamente, pois sua vida sem o Espírito perde o sabor da graça e do testemunho”.
4. A LINGUAGEM IMPRÓPRIA E A NECESSIDADE DE CORREÇÃO PASTORAL
Expressões como “Deus desceu na casa” ou “o Espírito vai descer” são comuns, mas teologicamente imprecisas. Jonathan Edwards (1746), em Religious Affections, já advertia que o verdadeiro sinal da presença de Deus é uma vida santa, e não um momento emocional ou extático.
D. A. Carson adverte que “linguagem devocional desinformada pode, com o tempo, criar uma teologia desinformada” (1993, p. 43).
A linguagem molda a teologia do povo. Pastores e líderes devem ensinar que Deus habita em Seu povo, não sobe nem desce conforme o ambiente do culto. Devemos reeducar nossas liturgias e orações para refletirem fidelidade bíblica e consciência da habitação contínua do Espírito.
5. IMPLICAÇÕES ECLESIOLÓGICAS E DEVOCIONAIS
Compreender a presença contínua do Espírito transforma nossa prática eclesiástica:
Área | Implicação | |||||||||
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Pregação | O Espírito ilumina e aplica a Palavra. | |||||||||
Adoração | Cultuamos conscientes da presença divina. | |||||||||
Santificação | Vivemos sob o domínio e direção do Espírito (Rm 8.14). | |||||||||
Missão | Somos capacitados e enviados pelo Espírito (At 1.8). |
A Igreja não precisa orar por uma nova “descida” do Espírito. Ela precisa viver em submissão, oração e constante enchimento. A espiritualidade verdadeira é constante, frutífera e obediente, centrada em Cristo, não em sensações. CONCLUSÃOA presença do Espírito Santo não é uma promessa futura, mas uma realidade presente. O Pentecostes foi único e definitivo, e o Espírito habita nos crentes desde então. Nossa necessidade hoje não é por “descidas”, mas por enchimento. Como Igreja, devemos acolher o anseio legítimo por experiências com Deus, mas guiá-lo biblicamente, com fidelidade e clareza teológica.
REFERÊNCIAS
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