Outras Confissões Importantes: Unidade e Diversidade na Tradição Protestante
Por Pr. Kleiton Fonseca
1. Introdução
O estudo das confissões de fé protestantes frequentemente se concentra nos documentos mais influentes da tradição reformada continental (como o Catecismo de Heidelberg) e presbiteriana (os Padrões de Westminster). No entanto, o rico tecido do protestantismo é composto por uma variedade de declarações doutrinárias que, embora compartilhem um alicerce comum, refletem ênfases teológicas e eclesiológicas distintas. Estudar essas outras confissões é fundamental para compreender a unidade no essencial da fé cristã — a autoridade das Escrituras, a justificação pela graça mediante a fé em Cristo — e a diversidade legítima em pontos secundários, como eclesiologia e sacramentos. Este artigo explorará três desses documentos cruciais: a Segunda Confissão Helvética (reforçando a tradição reformada), a Confissão de Augsburgo (base da tradição luterana) e a Confissão de Fé Batista de 1689 (o pilar da tradição batista calvinista).
2. Segunda Confissão Helvética (1566)
A Segunda Confissão Helvética é um dos mais importantes documentos da teologia reformada, não só na Suíça, sua terra natal, mas em todo o mundo. Seu autor principal foi Heinrich Bullinger, sucessor de Ulrico Zuínglio em Zurique. Originalmente, Bullinger a escreveu em 1562 como uma confissão de fé pessoal, um testamento para ser entregue à cidade de Zurique após sua morte. No entanto, sua clareza, abrangência e fidelidade bíblica fizeram com que o documento fosse adotado como a confissão oficial da igreja de Zurique em 1566 e, posteriormente, se espalhasse rapidamente, sendo aceito por igrejas reformadas em locais como Suíça, Escócia, Hungria, Polônia e até mesmo na França, com a aprovação de João Calvino e Teodoro de Beza.
Sua estrutura é composta por 30 capítulos que cobrem uma ampla gama de doutrinas, de forma clara e concisa. A confissão é notável por sua ênfase na autoridade da Escritura como a "verdadeira palavra de Deus" (Capítulo 1), rejeitando as tradições e decretos humanos que contradizem a Bíblia. Bullinger dedicou capítulos significativos à doutrina de Deus (Trindade), à Pessoa de Cristo (sua dupla natureza, divina e humana, e os ofícios de profeta, sacerdote e rei), à Igreja, ao ministério pastoral e aos sacramentos.
Um trecho significativo sobre a Eucaristia ilustra sua teologia reformada clássica: "O fim para o qual o Senhor instituiu Sua Ceia... é para que os crentes tenham comunhão com o Seu corpo e sangue, e para que sejam alimentados espiritualmente e fortalecidos na fé por ele..." (Capítulo 21). Isso reflete a visão reformada de que Cristo está espiritualmente presente na Ceia, uma posição mediadora entre a visão luterana (consubstanciação) e a zuingliana (simbolismo).
3. Confissão de Augsburgo (1530)
A Confissão de Augsburgo é o principal documento confessional do luteranismo. Foi apresentada em 1530 na Dieta de Augsburgo, uma assembleia imperial convocada pelo Imperador Carlos V. O objetivo dos príncipes luteranos e teólogos, liderados por Philip Melanchthon (com a aprovação e consultoria de Martinho Lutero), era demonstrar que a fé luterana não era uma nova heresia, mas a continuidade da fé da Igreja primitiva e católica. A confissão foi escrita em um tom diplomático e conciliador, buscando a reconciliação com Roma, embora afirmando firmemente as doutrinas protestantes.
A estrutura da confissão é dividida em duas partes principais:
Artigos Doutrinários (Artigos 1-21): Esses artigos apresentam as principais doutrinas da fé luterana, como a Trindade, o pecado original, a Pessoa de Cristo e, de forma central, a justificação pela fé somente. O Artigo IV afirma: "Ensinamos que os homens não podem ser justificados diante de Deus por suas próprias forças, méritos ou obras, mas são justificados gratuitamente por amor de Cristo, mediante a fé..." Esse é o sola fide (somente a fé) em sua essência.
Artigos sobre os Abusos Corrigidos (Artigos 22-28): Esta seção refuta práticas da Igreja Católica Romana que eram consideradas abusos, como a recusa do cálice aos leigos, o celibato compulsório dos sacerdotes, a missa como sacrifício e o poder dos bispos.
A Confissão de Augsburgo tem um foco particular nos sacramentos, afirmando que o Batismo e a Ceia do Senhor são os únicos sacramentos genuínos. A visão luterana sobre a Ceia é de consubstanciação, a crença de que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes "em, com e sob" os elementos do pão e do vinho, uma posição distinta da romana (transubstanciação) e da reformada (presença espiritual). Esta confissão continua a ser o padrão doutrinário para as igrejas luteranas em todo o mundo, definindo sua identidade teológica e eclesiástica.
4. Confissão de Fé Batista de 1689 (Londres)
A Confissão de Fé Batista de 1689, também conhecida como a Confissão de Londres, é o principal documento da tradição Batista Particular ou reformada. Ela emergiu em um cenário de perseguição religiosa após a Restauração monárquica na Inglaterra, onde os Batistas Particulares, que eram calvinistas, buscavam se diferenciar tanto dos batistas gerais (arminianos) quanto dos pedobatistas (que batizam crianças).
A confissão é um exemplo notável de unidade e adaptação. Seus autores, influenciados pela Confissão de Fé de Westminster (1647) e pela Declaração de Savoy (1658), adaptaram o conteúdo teológico desses documentos para expressar uma eclesiologia batista. O texto de 1689 é, em sua maior parte, idêntico ao de Westminster, refletindo um acordo total nas grandes doutrinas da salvação, dos decretos de Deus e da soberania divina.
As principais alterações se concentram na eclesiologia e nos sacramentos:
Batismo: A Confissão de 1689 é clara sobre o batismo por imersão e para crentes somente. O Capítulo 29 afirma que o batismo é um "mandamento de Jesus Cristo... para aqueles que professam arrependimento para com Deus e fé em nosso Senhor Jesus Cristo."
A Igreja: O documento enfatiza a autonomia da igreja local, o governo eclesiástico independente de um sínodo ou presbitério, e a ordenação de pastores e diáconos dentro da congregação.
A Confissão de 1689 demonstra que é possível ser totalmente calvinista em soteriologia (doutrina da salvação) e, ao mesmo tempo, batista em eclesiologia. O historiador e teólogo Samuel Renihan argumenta que ela foi fundamental para o desenvolvimento do pensamento batista reformado, articulando a soberania de Deus com a prática eclesiástica distintamente batista. Sua importância continua a ser imensa para as igrejas batistas reformadas em todo o mundo, que a usam como padrão doutrinário e guia para a fé e prática.
5. Conclusão: Unidade e Diversidade Protestante
Ao examinarmos a Segunda Confissão Helvética, a Confissão de Augsburgo e a Confissão de Fé Batista de 1689, percebemos que, apesar de suas origens, ênfases e identidades confessionais distintas, elas compartilham um fundamento teológico comum, herdado da Reforma Protestante. Todas elas defendem:
A centralidade e autoridade das Escrituras (Sola Scriptura).
A justificação pela graça por meio da fé em Cristo (Sola Fide e Sola Gratia).
A suficiência de Cristo como único mediador entre Deus e os homens (Solus Christus).
Essas confissões são testemunhas da riqueza da tradição protestante, mostrando que a fé cristã não se restringe a uma única formulação, mas pode ser fielmente expressa em diferentes contextos e com diversas ênfases, seja na reverência à Igreja do modelo reformado, na diplomacia luterana ou na eclesiologia batista.
O estudo desses documentos é essencial para qualquer cristão que busca um entendimento mais completo da história da igreja e da teologia protestante. Eles nos convidam a valorizar a herança de fé que nos foi deixada e a buscar uma compreensão mais profunda e fiel da Palavra de Deus. Como disse João Calvino, as confissões "não são o fim do nosso crer, mas um meio para que possamos nos unir em uma só mente." Que a leitura direta desses textos continue a fortalecer a igreja em seu compromisso com a verdade bíblica e sua missão no mundo.
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